Milei renova mandato para virar economia e política da Argentina do avesso

Vinicius Torres Freire – Folha de São Paulo


A maioria dos argentinos aceita suportar mais sofrimento em nome de mudanças fundamentais no país ou aceita engolir Javier Milei para não ter de suportar o kirchnerismo-peronismo. É o que disseram nas eleições legislativas de domingo (26), mais um espanto. A eleição tem outros significados e consequências importantes.

De mais imediato e concreto, a vitória de Milei evita uma desvalorização grande ou também descontrolada do peso, o que causaria convulsão financeira, aumento da inflação e crise política. O governo ganhou tempo, embora o problema permaneça e seja muito grande, mesmo com o dinheiro dos Estados Unidos.

Em segundo lugar, a vitória permite que Javier Milei possa cumprir sua vaga promessa de firmar alianças com outros partidos, negociando inclusive cargos no ministério. Essa negociação já começou com alguns governadores de província (estados), que têm muito mais influência sobre bancadas parlamentares do que no Brasil.

Sem tais acordos, Milei ainda teria pouco poder de iniciativa legislativa (apesar de ter agora pleno poder de veto de iniciativas da oposição). Isto é, de propor e aprovar novas reformas grandes, como a flexibilização da lei trabalhista e a mudança na lei tributária.

Terceiro, afora desastres cambiais ou crise provocada pela tentação autoritária de Milei, seu governo ganhou tempo para promover mais mudanças importantes a ponto de virar a Argentina do avesso até 2027, goste-se ou não do que vai se passar. Ainda que o peronismo sobreviva como força relevante, com a mudança não terá à disposição um Estado que favorecia seu modo de governar ou de, ao menos, tomar conta do poder.

Quarto, caso tenha sucesso (faça as reformas que quer e sobreviva politicamente), Milei será ainda mais inspiração para a direita brasileira —isto é, a ideia de que algum arrocho grande pode vingar.

O partido de Milei, A Liberdade Avança (LLA), teve quase 41% dos votos. As coligações peronistas, cerca de 32%. Um espanto. A popularidade de Milei está no nível mais baixo desde o início do mandato dele, em dezembro de 2023. A economia saíra do buraco profundo da recessão, mas havia parado de crescer desde abril. O desemprego voltou a subir.

Milei ganhou. A promessa de empréstimos de dezenas de bilhões de dólares e as intervenções cambiais (compra de pesos, cerca de US$ 2 bilhões em duas semanas) dos Estados Unidos evitaram um colapso financeiro. Havia uma fuga descabelada do peso, que começara em abril e piorou com a derrota na eleição regional da província de Buenos Aires, tida como prenúncio surpreendente de derrota maior na eleição nacional. Sim, “surpreendente”.

Então, apesar de todos os problemas de Milei, as pesquisas indicavam sucesso relativo da LLA (isto é, uma derrota pequena, pois a província de Buenos Aires, que não inclui a capital, tem pendor peronista). As pesquisas estavam erradas.

Milei, autoritário e louco, precisa de alianças políticas, ressalte-se. Precisa de acordo até para acalmar “o mercado”, que está em júbilo desde domingo. O governo argentino tenta controlar a inflação com uma taxa de câmbio administrada (fixada em uma banda mensal, com desvalorização programada de 1% ao mês).

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